Fábulas do Tempo e da Eternidade

Sobre o tempo, veio dizer que o deixássemos em paz. Ele não é nosso e nem mesmo se importa conosco.

Autora: Cristina Lasaitis
Editores: Gianpaolo Celli
Richard Diegues
Revisão: Camila Fernandes
Projeto Gráfico:  Richard Diegues
Capa: Caroline Gariba
Diagramação: Richard Diegues
Tarja Editorial




Tenho em mãos um exemplar da segunda edição do livro Fábulas do Tempo e da Eternidade, publicado pela Tarja Editorial, (e eu não veria este livro em outra casa, mas falarei disto depois), e já que vamos falar sobre o tempo, a incessante cobrança e pressão das horas ou, como várias vezes Cristina Lasaitis nos diz através desta sua obra, a ilusão do tempo, acho valido começar revelando que esperei muito para ler este trabalho.
Esta é uma obra que eu muito desejava. Ouvi incríveis comentários sobre este livro, sendo sempre opiniões que me incentivavam na leitura dele, mas a oportunidade não vinha, e, mesmo depois de eu o adquirir, ainda assim, ele esperou na minha estante, entre minha pilha metafórica de leitura.

Diante os relatos, achava que encontraria um livro surpreendente e repleto de estranheza (digo sempre isso em relação a textos "futuristas" e ambientações ousadas, justamente por não ser algo ao qual ainda me acostumei). Imaginava ser um livro onde diferentes mitologias cruzariam o tempo e toda a minha capacidade de leitora nestas 12 histórias. Bem, esse foi um modo que encontrei para descrever minha ideia do que seria. E ele é isto tudo, mas é sim, uma outra esfera de sensações. É um livro cheio de sentimento, de "humanidade", de anseios, esperanças, sonhos, angustias e tudo escrito com primazia e cuidado. 

Ainda, antes de lê-lo, eu observava está capa. Tive pouco ou nenhum contato com a edição anterior, onde se podia ver um olho enigmático perdido em uma imensidão azulada, que contribuía muito mais para esse tal universo ficcional que propõe uma primeira leitura da sinopse. Porém, a segunda capa, de fundo branco, com a ilustração que se altera entre um relógio, riscos, desenhos abstratos, doces e desbotadas figuras, está muito mais perto das sensações que os contos desta autora, despertaram.

Vamos a eles.

Além do Invisível.
Um conto sobre amor, sobre entrega e sobre cegueira em um mundo onde avatares se apaixonam, se amam, criam expectativas e se destroem. Aqui, aquele que controla este avatar está em segundo plano, e desejos, medos e prazeres se confundem em diferentes interesses. 

As Asas do Inca.
Ambientado em um cenário ainda mais improvável (incomum, no caso) do que o universo virtual, este conto fala sobre medo, sobre legado, um imperador capaz de qualquer coisa para saber de seu futuro e do futuro de seu império. Contando com o desfecho fabuloso, o que mais ganha o leitor é mesmo a ambientação, os detalhes ritualísticos  a forma como pensa o personagem, é a grande criação desta história que traz muito sobre consequências e escolhas, e como nada é imutável. 

Nascidos das Profundezas.
Aqui, um futuro tecnológico e aparentemente sem desafios ou problemas, cai (literalmente, ou seria pousa) em um terreno inóspito, moradia de um povo atrasado e carente das necessidades mais básicas. Quando essas duas civilizações que habitam a mesma época real, porém, muito distantes em evolução, encontram-se, cria-se a expectativa ou relação como de deuses e súditos, onde esses viajantes são muito bem acolhidos e em troca realizam verdadeiras magias tecnológicas em prol dos menos desenvolvidos. Mas não é nenhum desses elementos que mais me chamou a atenção. É que a autora deixa margem para um pensamento dessa civilização muito perto da crueldade. A preferência por estar cego diante o problema do outro. Não vou dar detalhes deste conto, vocês terão de ler.

Revés Alquímico.
A paixão de dois cientistas por sua pesquisa e as consequências dentro de uma história emocionante como uma vida inteira passa feito um flash bem diante os olhos. Um sopro de esperança que morre na tentativa. Um conto que fala sobre algo que poderia mudar o mundo, mas quase. E que mesmo assim, não deve ser esquecido e por isso é contado. Uma história doce, envolvente, forte, contaminante. 

Assassinando o Tempo.
E se o tempo de fato, não existisse? Não se ele deixasse de existir, mas sim, se nunca tivesse sido real? Até o dia em que alguém inventou dividir os dias em horas, em minutos, segundos, e mais frações e frações, o que era o tempo? É isto que o texto discute, abrindo espaço para a confusão de mídias sensacionalistas, uma mega pesquisa situada em terras tupiniquins, movimentação em massa de ativistas e um começo, um começo para se entender o tempo, ou o que é este "não existir". 

A Outra Metade.
O que vale é o período dado ao amor, ou conhecer esse amor, somente conhecer, já basta? Uma história sobre um alguém capaz do impossível para saber de sua alma gêmea, de modo tão louco e obsessivo, que nos tira do confortável. 

Viagem Além do Absoluto.
Talvez, o conto mais absurdamente bom dessa coletânea. Fora de qualquer padrão. Uma história inexplicável sobre o fim, o estar no fim de tudo, dentro da escuridão e como tudo voltaria a existir, e quem seriam esses deuses capazes de recriar a vida. Fabuloso.

De Onde Viemos. Para Onde Vamos.
Por algum motivo que eu não sei dizer, este conto me lembrou de textos do Fernando Pessoa, principalmente "Tabacaria". Não sei se a autora é fã de Pessoa, mas ambos me causaram sensações parecidas. Melancolia, uma atmosfera que assiste apenas um desenrolar quase inexistente, um mover-se e ser quase estático, mas aqui, com um toque especial de improvável. Tomado de pequenas expectativas um narrador tão vivo e ao mesmo tempo, incapaz e único. 

Irmãos Siameses.
Em um lugar distante, um vale que guarda no seu seio uma história de sonhos, fascínio, utopia e crueldade. Para mim, o conto mais tocante do livro, onde o amor de dois irmãos chega a um local tão extremo, que confunde-se entre o sublime e o sombrio. Aqui, onde o fazer o bem não é óbvio, e nenhuma decisão parece ser correta. Para causar polêmicas e nos questionar o valor da perda e da abdicação. 

Caçadores de Anjos.
Dentro do tema, dos anjos caídos, Cris Lasaitis fala sobre o valor e o que é, de fato, ser salvo. Um texto de cenas fortes e de várias aparências.

Parênteses da Eternidade.
Um conto provindo (assim imagino), e que mantém ligação com outro do livro, é este, onde dois grandes ponto-chaves se cruzam. Um deles, remetendo ao espaço de tempo que não existe, onde cartas são enviadas através dos anos, possibilitando a comunicação de pessoas em diferentes momentos do tempo em si. O outro é um amor, um carinho que o transcende, sabendo ser impossível e muito doloroso. Um texto sensível que encerra a história dos protagonistas humanos e mantém as portas abertas para outros finais relativos a existência.

Meia Noite.
Outro conto que remete a uma história já dita neste livro, encerrando o círculo novamente no universo "cyber". Aqui, a vida real é tão palpável quanto uma existência virtual. Que mostra entre seus meios, a busca por um outro caminho e uma saída para muitas vidas.

Para finalizar, vale ressaltar que cada conto tem um pequeno texto - poético? - que os antecede, explicando, desbravando ou insinuando o que virá.
A diagramação é coesa, leve e muito bonita. As primeiras páginas de cada história tem um pequeno agrado, e tudo tem o ar clássico e limpo da capa. De muito bom gosto.

Sobre a casa, é que este livre, com este toque de originalidade e cuidado com a escrita tem um perfil que parece ser o da Tarja Editorial. Onde não é só a história, mas cada palavra, cada entonação é pensado para a composição da narrativa. É um cuidado excepcional e uma técnica que (arrisco-me a dizer) caracteriza o modo como esta editora encara a publicação de seus autores. Não é só cativar pelo que se diz, mas sim, pelo como. E isto é lindo.

Aqui, deixo a minha recomendação para este livro incrível, de lindas e únicas histórias.

Fábulas do Tempo e da Eternidade é um livro que brinca com tudo que acreditamos e nossos pontos fracos, ao mesmo tempo que brinda e nos acaricia com o que há de mais terno.


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