Apátrida

Um mundo dentro do meu mundo.


Autora: Ana Paula Bergamasco
Capa: Ricardo Diniz
Crédito foto da capa – frente – parte inferior: Krista Davis
Revisão de texto: Fernando Alves Ferreira
Produção Executiva: Todas as Falas Editora Ltda.
Impressão/Editoração: Brascard Edições de Postais Ltda. / Sérgio O. Rehder Jr.




O tema de Apátrida é recorrente, semelhante a muitos livros escritos pelo mundo e do mesmo modo parece ter em seu âmago o genes perfeito para se tornar um best seller visto que a Segunda Guerra Mundial, tema aqui abordado, sempre vende, seja em livros, filmes ou revistas. E não seria para menos. Eu mesma já perdi a conta das histórias que li (ou assisti) que se passem nessa época com toda sua hostilidade e genocídios que parecem superar a criatividade do mais incrível escritor de terror. De uma forma ou outra não me canso do tema, sou uma entre tantas pessoas que se debruçam facilmente por mais detalhes ou novas criações que nela se encaixem. Porém, o tema não é um mérito e sim, uma característica e nada mais. Das obras de ficção que envolvam este cenário, li coisas que me tocaram, outras que detestei, outras que não souberam utilizar a idéia ou a saturaram, e outras ainda geniais e criativas. E dentro desses critérios, onde Apátrida realmente se encaixaria? Não temo em dizer, está entre as mais belas e sublimes.
Este romance fica exatamente na linha tênue entre a técnica e a emoção, entre a ótima idéia e a execução bem feita. Razão e Emoção. Apólo e Dionísio.
As escolhas na maneira de narrar de Ana Paula foram perfeitas. A troca freqüente, mas separada por capítulos, de dois tempos da vida da personagem, a guerra e o pós guerra, tem uma organização sublime fazendo com que nada se perca em nossa linha de raciocínio.
Entre tudo isso, o romance em primeira pessoa, permite as reflexões do personagem/autor durante o desenvolvivemto do drama, como se a pessoa que narra sua vida estivesse diante de nós, embarcando hora ou outra em seus pensamentos, trazendo lembranças, constatações, reflexões, dúvidas, aflições, sentimentos de todos os tipos. É este conjunto que deixa o enredo muito vivo e humano.
A construção dos personagens é exemplar, e está no meu tipo favorito. Cheios de segredos, verdades, passado, fraquezas, ânsias, desejos e tudo que pode dar veracidade para eles.
O tom com que a personagem narrou as mazelas pelas quais passou tem um nível peculiar de equilíbrio e bom gosto. É extremamente forte, mas nem por isso exagerado ou cansativo. Ela não se repete, e nem desgasta o pesar. É pontual em todas as dores que revela, tornando a leitura leve e não cansativa. Dando-nos vontade de seguir velozmente no desenrolar dos fatos.
Dados momentos em que estive cansada, desejei que o livro fosse um filme para continuar naquela história mesmo quando o corpo já cansava de se manter. E devo dizer que toda a história facilmente invadiu meus sonhos. Um mundo que começava a fazer parte do meu.
Outro mérito dos personagens é que nenhum é perfeito, nem a protagonista. Diz a música “você se apaixonou pelos meus erros” e é exatamente ai que está a graça de um romance: conhecer pessoas. Não criaturas perfeitas, mas sim, fabulosamente humanas.
A revisão do livro esta exemplar. Não me lembro de erros de ortografia ou concordância. Mais pontos positivos para o livro.
Outro ponto de vista sobre o qual costumo falar é a capa, mas dessa vez é muito difícil refletir sobre ela. De fato a arte da mistura de fotografias é bem interessante. O destaque para o olho azul chorando sobre trilhos que parecem levar à um campo de concentração denota, é claro, tristeza, um tempo distante, literalmente um olhar sobre algo que já se foi. A parte mais interessante, acho que só se pode ver pessoalmente, pois o título está em “tinta” prateada, trazendo um ar de requinte para o livro. Porém, ela é bastante subjetiva e me remete ao pós morte. E não, isto não está lá. Ricardo Diniz fez uma proposta interessante com a sobreposição, com o fundo em cinza, mas tudo tem um ar muito triste, frio e distante o que contrastou com a sensação de aproximação e calor humano que aqueles personagens passam para o leitor mesmo através de uma vida difícil e de sofrimentos inúmeros.
Mas voltando ao romance. A autora foi muito corajosa por trazer pontos de vistas religiosos dentro do romance, testemunhas de Jeová, católicos, e claro, judeus, todos tratados com muito respeito, sem legitimar essa ou aquela crença, apenas o direito a se ter uma fé. E ainda não contente, ela traz de relance em um capítulo, a questão do enfrentamento nazista contra homossexuais, sempre sutil e pontual.
Apátrida, é um livro sobre o qual não se tem muito a revelar. Não há excessos, grandes caprichos, ou a invensão de um novo cenário mirabolante, ele é exatamente perfeito e possivel.
Há sim alguns encontros estranhamente improváveis, mas, de um certo modo, também plausível.
Este romance merece um lugar de destaque e tem grandes possibilidades de conquistar todo tipo de público e está entre os que mais recomendo.
Uma leitura apaixonante.

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